Dando continuidade aos trabalhos resultantes do
Macro-Projeto: Thyrsopelma guianense (Diptera:Simuliidae), vetor da filaria Onchocerca
volvulus, dentro do Programa de Capacitação Institucional, bolsa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, agora apresentado
o trabalho desenvolvido pela bolsista Rayleir Lima Viana, orientada pela minha
pessoa (V.Py-Daniel).
O texto e figuras/tabelas são a junção de dois
relatórios (um desenvolvido no rio Pitinga (AM) e outro que conjuga os dados do
rio Pitinga com os obtidos no rio Jauaperi (RR).
Este trabalho, na época do seu desenvolvimento foi
feito pelo Laboratório de Limnoentomologia, pertencente a então Coordenação de
Pesquisa em Entomologia (CPEN) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
(INPA).
Colaboraram ativamente nos trabalhos de campo e/ou
laboratório, o biólogo Ulysses Carvalho Barbosa, o estudante de biologia Sr.
Orlando dos Santos Silva, o Sr. Eliseu Lima Junior e o Dr. Hugo Guimarães
Mesquita, que agora assinam, conjuntamente, o referido trabalho.
ENTOMOFAUNA
ASSOCIADA AOS IMATUROS (LARVA/PUPA) DE SIMULÍDEOS (DIPTERA:SIMULIIDAE) E SUAS
RELAÇÕES TRÓFICAS.
Viana,R.L.1; Py-Daniel,V.2*;
Barbosa,U,C.2; Silva,O.S.2 ; Junior,E.L.2**;
Mesquita;H.G.3
1 – na época Bolsista do CNPq-PCI (INPA); 2 – INPA /
CSAS / LETEP (* - Atualmente associado a UnB/ICB/DZ/LEF; ** - Atualmente no
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE/CRH/DGP).
Palavras Chaves: Simuliidae, predação, cadeia trófica, Thyrsopelma guianense.
RESUMO
Este trabalho foi realizado em duas áreas, a
primeira no Rio Pitinga (AM), mais precisamente na Cachoeira 40 Ilhas,
localizada a aproximadamente a 153km de um ramal próximo ao Km 250 da BR-174
(Manaus - Boa Vista), e a segunda na Cachoeira Travessão, Rio Jauaperi –
Rorainópolis (RR), a 61km do término da Terra Indígena Waimiri-Atroari, também
na BR-174.
Tendo em vista a determinação da espécie do simulídeo Thyrsopelma guianense, no Brasil, como a principal vetora da
filaria Onchocerca volvulus, causadora da oncocercose (Py-Daniel,
1997), objetivou-se neste trabalho, primeiramente, registrar a entomofauna associada
a larvas e pupas, como também verificar as relações tróficas.
Coletas trimestrais, com duração de dois dias, foram
feitas de Janeiro a Outubro de 1998, no Rio Pitinga, e bimestrais no Rio
Jauaperi, de Março a Agosto de 1999.
Foi verificada a diferença na densidade populacional
de imaturos, em períodos diferentes, nas duas localidades, cheia no Pitinga
(AM) e seca no Jauaperi (RR).
Durante o período de desenvolvimento deste trabalho,
foi verificado o conteúdo digestivo de três grupos de insetos: Megaloptera,
Odonata e Lepidoptera.
Foi constatada a presença de imaturos de três espécies de simulídeos (Thyrsopelma guianense, Psilopelmia
iracouboense e Coscaroniellum quadrifidum), nos tratos digestivos.
Corydalus
sp.
(Megaloptera: Corydalidae) e Idiataphe sp. (Odonata: Libellulidae),
demonstraram maior percentagem de indivíduos predando imaturos de T.
guianense, observado maior número de larvas predadas em relação a
pupas, assim como em Brachymesia sp. (Odonata: Libellulidae)
e Nymphulinae (Lepidoptera: Pyralidae) no Jauaperi.
Em Odonata, foram assinalados náiades de três
gêneros com predação em simulideos, Brachymesia sp. (Libellulidae), Idiataphe
sp. (Libelluliudae) e Argia sp. (Coenagrionidae), tendo
sido verificada a maior predação de T. guianense, por parte de Brachymesia.
Em Odonata as correlações estatisticamente significativas ocorreram tanto para
larvas como para pupas. Foi vista correlação estatística negativa entre o
tamanho das náiades e a atividade de predação em imaturos de simulídeos, nas
duas áreas estudadas.
INTRODUÇÃO
Dentre as endemias que possuem insetos como vetores,
está a oncocercose. Esta patogenia é causada por um helminto, nematódeo, a
filaria Onchocerca volvulus. A oncocercose, assim como outras doenças,
tem sua origem ligada ao continente africano, sendo a presença de O.
volvulus, nas Américas, decorrente do tráfico de escravos africanos
para este continente, conseguindo adaptar-se às condições ambientais do mesmo.
Estudos feitos por Bearzoti et al.(1967) observaram, para o Estado de Roraima, o primeiro caso
de oncocercose no Brasil. Entretanto, Py-Daniel (1989) aponta a possibilidade
de ocorrência (introdução) antes desta data, num padre transferido da África
Ocidental, em 1938, para o município de Tefé, no Rio Solimões. O mesmo veio com
a doença e assim permaneceu até morrer, incluindo apresentando graves
alterações visuais.
Trabalhos sobre a oncocercose, no Brasil,
caracterizam-na, oficialmente, como restrita à área da Terra Indígena Yanomami
/ Ye´kuana, que compreende o oeste de Roraima e o norte do Amazonas. Na
Venezuela, existe a continuidade do foco, também entre os Yanomami e Ye´kuana.
O risco de uma disseminação desta doença para outras
regiões do Brasil foi verificado com a identificação de um caso autóctone em
Minaçú – Goias.
Estão infectadas (RBF - 1993) no mundo cerca de 17,7
milhões de pessoas. A oncocercose é a segunda causa de cegueira no mundo, e um
total de 270.000 apresentam graves problemas visuais.
Estima-se que 1,6 milhão de pessoas moram em uma das
5.000 comunidades de 6 paises latinos (Venezuela, México, Guatemala, Brasil,
Equador e Colômbia) onde a doença está presente e portanto em risco de adquirir
a infecção, já tendo sido registrados entee 130 a 140 mil casos de pessoas com
esta patogenia, nestes países (RBF – 1993).
A prevalência da oncocercose em determinado local é
influenciada pela proximidade de rios, local de desenvolvimento dos imaturos
dos vetores da doença.
“Piuns” e “Borrachudos” são as denominações mais
comuns, no Brasil, atribuídas aos dípteros (Simuliidae), transmissores da desta filária.
A transmissão natural da Onchocerca volvulus ao
homem é feita através da atividade hematofágica das fêmeas de simulídeos.
A ovipostura, cerca de 100 a 500 ovos, é feita em
água corrente.
A espécie Thyrsopelma guianense (Wise, 1911),
objeto primário deste estudo, foi apontada como principal vetora na área focal
Yanomami / Ye´kuana, no Brasil (Py-Daniel, 1994).
Os imaturos
desenvolvem-se em águas de fortes correntezas sobre substratos vegetativos ou
rochosos. O substrato, em águas correntes, é importante para muitos insetos, tanto
como superfície para habitação, como a captura de outros alimentos trazidos
pela corrente, ou para a predação.
Os imaturos de Thyrsopelma guianense vivem,
principalmente, em associação com macrófitas da família Podostemaceae, em águas
de médio à grande caudal (Py-Daniel, 1994).
PODOSTEMACEAE – Características gerais
Família tipicamente Pantropical, possuindo cerca de
140 espécies no continente americano, 40 na África e 10 na Ásia (Rayen, 1953;
Rayen, 1954; Rayen & Reitz, 1971).
O tamanho destas plantas é extremamente variável,
certas espécies chegam a apenas poucos milímetros como as do gênero Oserya,
e outras atingem mais de 2m de comprimento, como representantes de Mourera
fluviatilis.
Distintamente colonizam rochas oriundas dos Escudos das
Guianas e do Brasil Central, Pré-Cambriano, em rios encachoeirados.
São plantas do grupo das dicotiledôneas, adaptadas
ao modo de vida submerso, em águas de forte correnteza.
De um modo geral a morfologia do sistema vegetativo
é variável, acompanhando a dinâmica hídrica dos rios. Em períodos da vazante,
as florações aparecem em hastes finas, desaparecendo a parte vegetativa,
deixando somente a haste e o fruto.
Desenvolvendo-se num meio de águas oligotróficas, as
podostemaceas proporcionam às populações que a habitam um recurso a mais como,
talvez, fonte de alimento, tendo associado a elas uma fauna diversificada,
produtividade e interações entre os organismos que co-habitam as mesmas
(Charnella, 1985).
Algumas populações da etnia Curipaco, habitantes no Brasil,
no Rio Içana, pertencente ao Alto Rio Negro, Estado do Amazonas, ainda possuem
a pratica de retirarem as podostemaceas das pedras, secarem, e pilarem as
mesmas, no sentido de obterem um tipo de sal para uso alimentar (Py-Daniel,
inédito).
Collart, Enriconi & Tavares (1998) observaram a
dinâmica sazonal da comunidade de insetos associados a Ryncholacis hydrochorium
Tuslane, no Rio Pitinga, Cachoeira 3ª Queda (AM). Amostras de podostemaceas e
entomofauna foram estudadas pelos mesmos autores em regiões de corredeiras na
Amazônia Central (Tavares, Enriconi & Collart, 1998).
Diante de todos os fatores expostos, pretendeu-se
nesse estudo adquirir informações a cerca da entomofauna associada aos imaturos
de Thyrsopelma
guianense co-habitando, em um mesmo substrato:
a. Registro
da entomofauna associada na Cachoeira 40 Ilhas – Rio Pitinga (AM) e na Cachoeira
Travessão – Rio Jauaperi (RR);
b. Verificar
quais grupos de insetos são predadores de imaturos de simulídeos, em cada área,
relacionando estatisticamente tamanho com a presença ou não de imaturos de T.
guianense, em seus conteúdos digestivos;
c. Observar
a existência de uma relação de preferência, dos predadores, nas duas
localidades, através de correlações estatísticas, aos estágios de
desenvolvimento dos imaturos (larva/pupa);
d. Obtenção
de informações referentes ao tipo de relação entre o ciclo de desenvolvimento
das podostemaceas e a entomofauna geral, analisando estatisticamente os
tamanhos das amostras coletadas com a quantidade de imaturos.
e. Observação da concentração de simulídeos nas
áreas setorizadas das macrófitas (ápice, meio e base).
MATERIAL
E MÉTODOS
AREAS DE ESTUDO
O estudo foi realizado em duas localidades:
Pitinga –
A primeira situada no Rio Pitinga (AM), afluente do
Rio Uatumã, possuidor de águas pretas, precisamente na região da Cachoeira 40
Ilhas ( 59º34´24” O / 00o53´20” S), altitude de 60mts (Figura 1.),
situada a 10km da Hidroelétrica do Pitinga (059º31´14” O / 00o31´49”
S) (Figura 2.).
O acesso ao local faz-se pela guarita da FUNAI
(Fundação Nacional do Indio), na Terra Indígena Waimiri-Atroari, ramal situado
à BR-174 (sentido Manaus-Boa Vista), Km 243, sendo percorridos até a Cachoeira
40 Ilhas um total de 153km.
Na área, são observadas corredeiras com o fundo
pedregoso e troncos caídos à margem em alguns locais. Circundando-a há
vegetação basicamente primária, com presença, em vários trechos, de vegetação
secundária.
Durante o período do estudo (Janeiro a Outubro de
1998) observou-se visitas de pessoas na área do estudo, oriundas da Vila
Pitinga, cuja a estada ali objetivava a pratica de lazer e pescaria,
principalmente. Além da presença esporádica de funcionários destinados a
realizar a manutenção da Hidroelétrica do Pitinga.
Jauaperi –
O segundo estudo foi realizado na Cachoeira
Travessão (060o29´49” O / 00o28´48” N) (Figura 3.)
situada no Rio Jauaperi, município de Rorainópolis, Roraima, foi realizado o
segundo ano, 1999.
O acesso a essa localidade é feito pelo adentramento
em um ramal situado a 61km da Terra Indígena Waimiri-Atroari (na BR-174),
percorrendo cerca de 5km até o local das coletas.
O ambiente aquático é formado por grandes
corredeiras. Na margem têm-se área pedregosa, onde foi observado, em período de
seca, grande numero de podostemáceas.
Percorrendo o ramal foi observada mata ciliar
primária e secundária e principalmente próximo ao local de coleta, vegetação
secundária.
Figura
1. – Mapa da região do Rio Pitinga, com a localização da Cachoeira 40 Ilhas e
barragem do Pitinga (seg. Collart,O.; Jegú,M.; Tacher,U.; Tavares, 1996).
Figura 2. – Vista superior das comportas da
Hidroelétrica do Pitinga (AM).
Figura 3. – Área do Rio Jauaperi, corredeiras da
Cachoeira Travessão (RR).
COLETAS
– ANÁLISE DO MATERIAL: QUANTITATIVA / QUALITATIVA
A obtenção do material de estudo, na Cachoeira 40
Ilhas (Pitinga) foi realizada através da utilização de rede entomológica
aquática (rapiché) e pinças (Figura 4c.).
O fato do volume de água, no rio Pitinga (Cachoeira
40 Ilhas) ser controlado pelas comportas da Hidroelétrica, localizadas a
montante, corroborou para transformações ambientais no local de coleta
(Cachoeira 40 IIlhas), influenciando no desaparecimento das podostemaceas
naquela localidade, não sendo detectada a Apinagia sp, anteriormente citada
como presente no local. No entanto, ainda foram coletados escassos brotos de
uma espécie de Mourera (sp.n.?), encontrada na segunda coleta (Material
depositado no Laboratório de Sistemática Botânica do INPA).
Toda a entomofauna obtida, em coletas, nos períodos
trimestrais (Janeiro a Outubro de 1998), no Pitinga, teve como pontos de coleta,
as áreas que apresentassem turbulência de água, folhas presas entre pedras e
troncos caídos por sobre as corredeiras (Figuras 4a. e 4b.) e em folhas de
galhos em contato com a correnteza, também dispostos sobre os troncos, sendo
todo este material acondicionado em vidros com álcool a 70%.
Em Laboratório, todos os insetos foram inicialmente
quantificados e identificados ao nível de família.
Dentre a entomofauna obtida, na Cachoeira 40 Ilhas, foi
verificada, preliminarmente, a relação trófica entre Odonata, Megalóptera e
simulideos. Todo o material foi identificado ao nível genérico.
Após a identificação, os indivíduos destes grupos,
tiveram seus conteúdos digestivos retirados e observados de forma direta,
constatando-se definitivamente a relação trófica (Figura 5a e Figura 5b).
Foram feitas correlações estatísticas entre o
tamanho dos indivíduos coletados (Odonata e Megaloptera) em relação ao estágio
de desenvolvimento dos simulídeos (larva/pupa) que viessem a ser registrados
nos conteúdos digestivos. Correlacionou-se estatisticamente o tamanho dos
indivíduos dos grupos com a presença ou ausência de simulídeos em seus
conteúdos digestivos.
Nos estudos realizados na Cachoeira Travessão, foram
feitas três coletas em intervalos, em média, bimestrais, de março a agosto de 1999.
Todas as plantas podostemaceas foram arrancadas, por
sua base, do substrato rochoso, com auxílio de lamina de canivete, sendo que ainda
em campo tiveram os comprimentos (inicio da base até o ápice) medidos em
centímetros, em seguida, sendo cortadas em 3 áreas (basal, mediana e apical), etiquetadas
e colocadas, separadamente, em sacos plásticos contendo álcool a 70%.
Posteriormente, amostras inteiras de posdostemaceas,
foram levadas ao setor de Botânica do INPA, sendo identificadas ao nível
específico, pela pesquisadora Aldaléa Sprada (à qual agradecemos aqui).
Em laboratório quantificou-se e identificou-se todo
o material, ao nível de família, separadamente, levando-se em consideração a
distribuição tópica (ápice, meio e base das plantas) dos indivíduos.
Todos os simulideos foram quantificados, sendo
também separados por estágios de desenvolvimento (larva/pupa), e identificados
especificamente, assim como os provenientes dos conteúdos digestivos.
As observações do conteúdo digestivo foram feitas, através
da retirada das cabeças com a pinça e o conteúdo identificado em um Estereomicroscópio
CARL-ZEISS.
Todas as análises de correlação estatísticas
efetuaram-se através da utilização do programa Statistica.
Figura 4a. – Trecho de coleta na Cachoeira 40 Ilhas
– Rio Pitinga (AM).
Figura
4b – Local marginal de coleta, na Cachoeira 40 Ilhas – Rio Pitinga (AM).
Figura 4c – Materiais para coleta (Rapiché e pinça e
frasco de plástico).
Figura 5a – Náiade de Brachymesia sp. (com a
cabeça retirada para análise do conteúdo digestivo).
Figura
5b – Imaturo de Corydalus sp. (com a cabeça retirada para análise do conteúdo
digestivo).
RESULTADOS
CACHOEIRA 40 ILHAS – Rio Pitinga (AM)
O consolidado das coletas, nas quatro excursões,
é expresso na Tabela 01.
ORDEM
|
FAMÍLIA
|
1ª. EXCURSÃO
|
2ª. EXCURSÃO
|
3ª. EXCURSÃO
|
4ª. EXCURSÃO
|
TOTAL
|
Coleoptera
|
Elmidae
|
23
|
0
|
3
|
15
|
41
|
Diptera
|
Ceratopogonidae
|
01
|
01
|
0
|
0
|
02
|
Chironomidae
|
213
|
336
|
11
|
597
|
1157
|
|
Empidiidae
|
73
|
30
|
03
|
95
|
201
|
|
Simuliidae
|
767
|
45
|
09
|
976
|
1797
|
|
Tipulidae
|
0
|
05
|
0
|
01
|
06
|
|
Ephemeropteera
|
Baetidae
|
0
|
01
|
0
|
215
|
216
|
Lepidoptera
|
Pyralidae
|
01
|
0
|
0
|
01
|
02
|
Megaloptera
|
Corydalidae
|
24
|
11
|
08
|
51
|
94
|
Trichoptera
|
Hydropsychidae
|
561
|
400
|
12
|
546
|
1519
|
Odonata
|
Calopterygidae
|
01
|
0
|
0
|
0
|
01
|
Coenagrionidae
|
0
|
02
|
02
|
03
|
07
|
|
Libellulidae
|
12
|
03
|
03
|
34
|
52
|
|
Gomphidae
|
0
|
02
|
0
|
0
|
02
|
Tabela
01. – Entomofauna coletada na Cachoeira 40 Ilhas, no período de janeiro a
outubro de 1998.
A entomofauna associada apresentou quatorze famílias
distribuídas em sete ordens, sendo basicamente a composição estrutural a mesma
em todas as excursões (Tabela 01.).
As famílias mais abundantes foram Simuliidae (1791
exemplares), Hydropsychidae (1519 exemplares) e Chironomidae (1157 exemplares).
As náiades de Odonata totalizaram 62 indivíduos
distribuídos em 04 familias (Calopterygidae, Coenagrionidae, Libellulidae,
Gomphidae), sendo que duas famílias (Coenagrionidae e Libellulidae) tiveram
náiades predando imaturos de simuliidae.
A família Corydalidae (Megaloptera) apresentou 94
exemplares.
Durante as amostragens realizadas no Pitinga,
foi observado período de seca, na excursão-1 (Figura 6.), seca-cheia, excursões
2-3 (Figuras 7 e 8), e também cheia, excursão-4, onde ocorreu um aumento
discreto no volume de água, em relação ao encontrado na excursão-3 e grande
velocidade da corrente hídrica (Figura-8).
Observamos, durante as coletas na
excursão-1 (seca), um ambiente aquático com pouquíssima transparência de água
(Figura 6.). Foi constatada uma grande variação no número da entomofauna
aquática coletada, dependendo da estação sazonal (Tabela 1.) e (Figura 9). As
excursões 2-3, intermediárias, na realidade, representam os períodos de
transição de vazante / enchente. É importante saber que o volume da água, na
área de coleta, é manejado pelos administradores da Hidroelétrica do Pitinga, e
que muitas vezes não representa a dinâmica natural do curso d´água estudado.
Figura
6. – Ambiente da Cachoeira 40 Ilhas durante a excursão-1 (primeira coleta),
podendo ser observada a ausência de podostemaceas sobre as rochas e o amarelo
da água, devido o despencamento de material argiloso a montante. Atrás do
paredão rochoso, ao fundo, vê-se o local de coleta. Ambiente em período de
seca.
Figura
7. – Ambiente da Cachoeira 40 Ilhas durante a excursão-2 (segunda coleta).
Ambiente com discreto, porem maior volume de águas que a excursão anterior.
Figura
8. – Trecho do Ambiente do Pitinga durante a excursão-4. É visível o maior
volume das águas na região, o que tornou o acesso e a movimentação nas
corredeiras dificultoso, devido a grande velocidade da corrente hídrica.
Figura 9. – Variação (relação) no número de simulideos / entomofauna geral, coletados nos períodos sazonais diferentes (seca,seca,cheia,cheia) os quais foram representados pelas quatro excursões desenvolvidas na Cachoeira 40 Ilhas.
Quanto às relações tróficas, no Pitinga, foram
obtidos os seguintes resultados:
a. Duas
famílias de Odonata apresentaram náiades com simulideos no conteúdo digestivo,
Coenagrionidae e Libellulidae, com também a família Corydalidae de Megaloptera.
b. Em
Coenagrionidae, uma percentagem de 14,2% predou simulideos, equivalente a um
dos sete exemplares coletados, sendo o mesmo valor para a espécie predada (1
pupa – T. guianense). Este registro foi obtido na 3ª excursão, na qual
foram coletados dois indivíduos.
O gênero assinalado para Coenagrionidae foi o Argia.
(Tabela 2; Figura 10).
Tabela
2. – Quantidade de náiades de Argia sp. (Odonata) coletadas, e
número de simulideos registrados na análise do conteúdo digestivo; L = Larva; P
= Pupa.
Figura 10. – Percentagens de indivíduos de Argia
sp. (Odonata – Coenagrionidae) coletados e predando simulídeos.
Tabela
3. – Quantidade de náiades de Libellulidae (Odonata) coletas, número e espécies
de simulídeos registrados na análise dos conteúdos digestivos; L = Larva; P =
Pupa.
Figura
11. – Percentagens de náiades de Libellulidae (Odonata) coletadas predando
simulídeos.
Em relação aos libelulideos, foram assinalados
quatro gêneros: Brachymesia Kirby, 1889; Erythrodiplax Brauer, 1868 (com duas
morfo-espécies); Leucorrhinia Brittinger, 1850 e Idiataphe Cowley, 1934.
Em Brachymesia sp. e Idiataphe
sp. houve registro de imaturos de simulídeos nos conteúdos digestivos.
Das 23 náiades coletadas de Brachymesia sp., cinco
predaram simulídeos, equivalente a 21,7%.
Na excursão-4 obteve-se o maior número de
predação de T. guianense, com 11,1%, equivalente a 3 indivíduos. Para Psilopelmia
iracouboense foi verificada a predação por duas náiades de Brachymesia
sp., correspondendo a 8,6% do total de 23 indivíduos coletados (Tabela 5,
Figura 13).
Tabela
5. – Quantidade de náiades de Brachymesia sp. (Odonata,
Lubellulidae) coletadas, número e espécies de simulídeos registrados na análise
de seus conteúdos digestivos. L = Larva, P = Pupa.
Figura
13. – Percentagens de náiades de Brachymesia sp. (Odonata,
Lubellulidae) coletadas predando simulideos.
Em Idiataphe
sp. houve predação de 25% das oito náiades coletadas, equivalente a dois
indivíduos predando Thyrsopelma guianense (primeira excursão – 1 Larva, quarta
excursão – 1 Pupa). Nas excursões intermediárias não houve registro de predação
em simulideos (Tabela 6; Figura 14). O tamanho das náiades variou de 1 a 2cm de
comprimento.
Tabela
6. – Quantidade de náiades de Idiataphe sp. (Odonata:
Libellulidae) coletadas, número e espécies de simulídeos registradas na análise
de seus conteúdos digestivos. L = Larva; P = Pupa.
Figura
14. – Percentagens de indivíduos de Idiataphe sp. coletados predando
simulideos.
Quanto a Megaloptera, família Corydalidae, Corydalus
sp., foram coletadas 94 larvas, sendo verificado que em 26 existia presença de
simulideos no conteúdo digestivo, ou seja, em 27,6%. Destes, 17 (18%) predaram Thyrsopelma
guianense (14 larvas e 3 pupas) e seis (6,3%) predaram Psilopelmia
iracouboense (5 larvas e 6 pupas). Em apenas um indivíduo foi
verificado o registro de uma larva de Coscaroniellum quadrifidum, sendo o
único registro, para está espécie, em todas as análises dos conteúdos
digestivos.
A predação pelas larvas de Corydalus sp. ocorreu em
todas as excursões, havendo um maior número de indivíduos coletados na
excursão-4 (n=51, ou seja, 33,3% equivalente a 17 larvas com presença de
simulideos nos conteúdos digestivos (Tabela 4.; Figura 12). O tamanho das
larvas variou de 1 a 6cm de comprimento (Tabela 4.).
Tabela
4. – Quantidade de larvas de Corydalus sp. (Megaloptera,
Corydalidae) coletadas, número e espécies de simulídeos nos conteúdos
digestivos. T.g. = Thyrsopelma guianense; P.i.
= Psilopelmia
iracouboense; C.q. = Coscaroniellum quadrifidum;
L = Larva; P = Pupa.
Figura
12. – Percentagem de larvas de Corydalus sp. (Megaloptera:
Corydalidae) coletadas predando simulideos.
Dos
gêneros assinalados neste estudo (Pitinga), que apresentaram predação sobre os
imaturos de simulideos, Corydalus apresentou o maior numero de
indivíduos, com valores de 26 indivíduos predando, ou seja, 27,6%. Idiataphe
apresentou duas náiades, com valor equivalente de 25% com predação em
simulídeos. Os gêneros menos expressivos em percentagens de predação foram Brachymesia
(21,6%) e Argia (14,2%), de um total de 1 a 5 náiades, respectivamente
(Figura 15.).
Figura 15. – Percentagens dos gêneros obtidos com
simulideos em seus conteúdos digestivos.
Quanto as correlações estatísticas, não
paramétricas, referentes às relações tróficas, em Pitinga, foram obtidos os
seguintes resultados:
a. As
análises estatísticas apontaram em Corydalus sp. correlação
significativa ( p < 0,001 ) entre tamanho e presença de simulideos no conteúdo
digestivo, ou seja, a maior atividade predatória foi exercida por indivíduos de
maior tamanho. Não havendo correlações significativas para as demais análises,
segundo Mann-Whitney.
b. Nas correlações de preferência a larvas ou pupas
de simulídeos, foram observados os resultados a seguir (“Spearman Rank Order
Correlation”):
c. Foram
observados maiores valores de correlação nos dois últimos gêneros, para
predação em formas larvais e pupais.
d. Houve correlação significativa para predação em
larvas de Thyrsopelma guianense ( P < 0,001 ) em relação a Psilopelmia
iracouboense, através do teste de Mann-Whitney, para todos os grupos
assinalados como predadores.
CACHOEIRA TRAVESSÃO – Rio Jauaperi (RR)
Durante as três excursões realizadas na área da
Cachoeira Travessão – Rio Jauaperi – RR, os maiores números de coleta da
entomofauna foram obtidos nas 1ª e 3ª excursões (Tabelas 7 e 8).
O ambiente, no local, durante a 1ª coleta
apresentou-se em período de seca, levando-se em consideração que podia ser
observado sobre o pedral, “tapetes” de podostemaceas, vegetação aquática
tipicamente encontrada neste tipo de formação rochosa (Escudo das Guianas e
Escudo do Brasil Central) (Figura 16.).
Figura
16. – Área da Cachoeira Travessão – Rio Jauaperi – RR – Trecho de coleta,
durante a primeira coleta (abril), seca, cujo o pouco volume de água deixa a
vista as podostemaceas sobre as margens rochosas.
A
segunda excursão foi realizada no período de cheia, sendo observado que, o
volume da água e velocidade corrente, estavam visivelmente maiores / mais
forte, que na primeira. As plantas estavam submersas a aproximadamente 1 metro
da superfície, em algumas áreas. (Figura 17.).
Figura
17. - Área da Cachoeira Travessão – Rio Jauaperi – RR – Trecho da segunda
coleta, durante a segunda coleta (junho), cheia. Ambiente com muito volume de
água, onde foram coletadas as podostemaceas submersas.
O
período de baixada das águas, a vazante, marcou a terceira excursão, no qual
foi visto um menor volume de água (Figura 18.), entretanto informações de
moradores locais, indicam, que dois dias antes da coleta do material, havia
chovido torrencialmente, estando as podostemaceas encobertas, sendo que somente
em alguns pontos, era possível vê-las parcialmente emersas sobre os pedrais.
Figura
18. - Área da Cachoeira Travessão – Rio Jauaperi – RR – Trecho da terceira
coleta, durante a terceira coleta (agosto), cheia-vazante. Ambiente ainda com
volume de água, época de inicio da estiagem e decréscimo no volume da água.
Duas espécies de Podostemaceae foram encontradas no
local de coleta, Apinagia sthaeliana (Went) V. Royen e Mourera fluviatilis Aubl.
Apinagia
sthaeliana, sumariamente caracteriza-se por seu
tipo herbáceo, possuindo folhas de forma lanceolada, tendo o ápice desfiado,
flores em inflorescência axilares e sobre um eixo ramificado, flores roxas e
brancas.
Mourera
fluviatilis, basicamente possui caracteristicamente um talo muito
grosso e largo, com folhas de tamanho variável (08-2,0 metros), de forma
pinatinerveia, tendo flores em inflorescência rosada a violetas. As suas
inflorescências foram observadas durante o período da primeira coleta.
A amostragem da entomofauna foi caracterizada por
quatro ordens e seis famílias, estado todas na forma imatura. A composição
estrutural da entomofauna, em M. fluviatilis foi basicamente a
mesma em todas as excursões, excluindo Calopterygidae, cujo aparecimento deu-se
apenas na primeira coleta (Tabela 7.).
As amostras de Mourera fluviatilis
coletadas no período da seca, na Cachoeira Travessão, atingiram 31,5 cm de
comprimento, tendo como menor valor 24 cm.
Estavam completamente emersas,
podendo ser observadas as flores de cor vermelha. O comprimento verificado no
período posterior (segunda coleta) variou entre 26,2 – 60,2 cm, com as plantas
submergidas e aproximadamente a um metro de profundidade (Figura 17.). Na
terceira coleta, os valores de comprimento foram de 18,3-30,2 cm (menor-maior valor),
sendo este um período de baixada das águas, vazante, estando, porém, as plantas
parcialmente emergidas, provavelmente em decorrência das chuvas torrenciais
caídas, na área, dois dias antes da coleta (já mencionado anteriormente:
segundo informação de moradores locais).
Tabela
7. – Entomofauna –Famílias e quantidade de imaturos, tamanho das amostras
coletadas de Mourera fluviatilis nas três excursões. Distribuição tópica da
entomofauna coletada nas podostemaceas (A = ápice, M = Meio, B = Base), na
Cachoeira Travessão - RR (* correção para nomes da tabela: Hydropsychidae e
Helicopsychidae).
Para Apinagia sthaeliana, a obtenção de
um maior número da entomofauna também ocorreu nas excursões 1ª e 3ª, períodos
de menor volume de água.
Estruturalmente a composição da entomofauna não
variou durante o período amostral, exceção na segunda coleta, na qual não
ocorreram ephemeropteras. Como ocorreu em M. fluviatilis, foi observada a
variação de indivíduos entre os períodos.
Os exemplares de A. sthaeliana, quanto aos
comprimentos, na primeira coleta, variaram entre 71,3-93,4 cm. Sendo que na
segunda e terceira coletas o tamanho foi de 25,1-32,1 cm, respectivamente.
A retirada dos exemplares das coletas
posteriores foi feita a 150 cm abaixo de onde foram obtidas as plantas na
primeira coleta.
Tabela
8. - Entomofauna –Famílias e quantidade de imaturos, tamanho das amostras
coletadas de Apinagia sthaeliana nas três excursões. Distribuição tópica da
entomofauna coletada nas podostemaceas (A = ápice, M = Meio, B = Base), na
Cachoeira Travessão - RR (* correção para nome da tabela: Hydropsychidae).
A população de simulídeos, na Cachoeira Travessão,
no Rio Jauaperi, foi encontrada nas duas espécies de podostemaceas, e esteve
composta por três espécies: Thyrsopelma guianense, Psilopelmia
iracouboense e em muito menor número, Cerqueirellum sp.
A abundancia de larvas e pupas das três
espécies, variou durante o tempo estudado nesta localidade, sendo verificada
uma periodicidade sazonal, cuja flutuação da abundancia de imaturos é induzida
pela variação no volume de água no ambiente (seca, cheia, vazante) (Figura
19.).
Figura
19. – Espécies e número de imaturos coletados nas três coletas (abril – seca;
junho – cheia; agosto – vazante) na Cachoeira Travessão – Rio Jauaperi – RR.
A predação sobre simulídeos, na entomofauna coletada
na Cachoeira Travessão, foi observada em náiades de Odonata e larvas de
Pyralidae (Lepidoptera).
Nas náiades de Odonata foram identificadas duas
famílias: Libellulidae e Calopterygidae.
Os libelulideos, todos Brachymesia sp.,
totalizaram 62 exemplares, sendo que em 37 (59,7%) foi observada a predação
(nos conteúdos digestivos) em Simuliidae, dois quais 45,5% (28 náiades) foram
com Thyrsopelma
guianense (Figura 20.). Ocorreu maior predação e número de indivíduos
coletados, total 32, na primeira excursão, onde mais da metade (68,8% - 22
indivíduos) comeram simulídeos, sendo que em 18 (56,3%) estava presente
imaturos de Thyrsopelma guianense, e no restante (4 indivíduos) havia Psilopelmia
iracouboense (Tabela 9.).
Calopterygidae,
a outra família identificada, apresentou 2 indivíduos pertencentes a Haeterina
sp., obtidos na primeira excursão, não sendo observados simulídeos em seus
conteúdos digestivos.
Tabela
9. – Quantidade de Brachymesia sp. (Odonata, Libellulidae) coletada, número e
espécies de simulídeos registrados em seus conteúdos digestivos. (T.
guianense = Thyrsopelma guianense, P. iracouboense = Psilopelmia
iracouboense, P = Pupa, L = Larva).
Os
piralideos, num total de 47 exemplares, apresentaram cerca em quase metade
(44,7%), indivíduos predando simulídeos, sendo 27,7% predando Thyrsopelma
guianense. Em oito (17%) houve predação em Psilopelmia iracouboense (Figura
21.). Ocorreu maior predação de simulídeos na terceira excursão (vazante), onde
foram encontrados 10 (62,5%) predando Thyrsopelma guianense (Tabela 10.).
Tabela
10. – Quantidade de larvas de Nymphulinae (Lepidoptera: Pyralidae) coletadas,
número e espécies de simulídeos registrados em seus conteúdos digestivos. (T.
guianense = Thyrsopelma guianense, P. iracouboense – Psilopelmia
iracouboense, P = Pupa, L = Larva).
Figura
20. – Percentagens de indivíduos de Brachymesia sp. (Odonata:
Libellulidae), coletados com predação em simulidoes.
Figura
21. – Percentagens de indivíduos de Nymphulinae (Lepidoptera: Pyralidae),
coletados com predação em simulídeos.
Não foram encontrados imaturos de Cerqueirellum
sp. nos conteúdos digestivos, mesmo tendo sido identificada a presença nas
podostemaceas coletadas.
As
náiades de Brachymesia sp. apresentaram maior predação em larvas que em
pupas de simulídeos, com uma correlação estatisticamente significativa ( z =
7.145 ; p < 0,001 ). A predação foi maior em larvas de simulideos da espécie
Thyrsopelma
guianense em relação à Psilopelmia iracouboense, com
diferença significativa ( z = 6.126 ; p < 0,001 ). Semelhante a Brachymesia
sp., os Nymphulinae apresentaram, em seus conteúdos digestivos, maior número de
larvas que pupas ( z = 3.953; p < 0,001 ) em relação à Psilopelmia iracouboense.
DISCUSSÃO
De uma forma generalizada, a entomofauna das duas
localidades (Pitinga – Cachoeira 40 Ilhas e Jauaperi – Cachoeira Travessão)
basicamente teve uma mesma composição estrutural, sendo diferentemente
encontrada na Cachoeira Travessão, uma maior diversidade de indivíduos, ligada
provavelmente, entre outros fatores, com a presença de podostemaceas, o que
possibilita uma maior sobrevivência, funcionando, realmente, como um recurso a
mais para o desenvolvimento dos imaturos em águas lóticas.
No Pitinga, o maior valor obtido de imaturos, na
população dos simulídeos, deu-se no mês de outubro, ligado talvez a presença na
área de condições propícias ao seu desenvolvimento, como velocidade corrente,
propiciando boa quantidade de oxigênio dissolvido e alimento. A densidade de
imaturos de simulídeos na Cachoeira 40 Ilhas foi induzida pela maior
precipitação, influindo diretamente na dinâmica hídrica local, ligada, contudo,
diretamente ao funcionamento das comportas da barragem, que caso estejam
abertas disponibilizará maior volume de água e fechadas o inverso.
A contrário da Cachoeira 40 Ilhas, a população de
simulídeos, Na Cachoeira Travessão, precisamente de Thyrsopelma guianense,
apresentou maiores valores nos períodos de seca (coletas 1 e 3), comportamento
ligado a disponibilidade de substratos emersos, possibilitando às fêmeas a
realização de ovipostura. Na cheia, esses valores decresceram, pois os substratos
estavam inundados, cobertos, levando as fêmeas a procurarem áreas onde os
mesmos estivessem expostos. Segundo Py-Daniel & Rapp Py-Daniel (1998),
nesse período esta espécie fica restrita a regiões superiores do rio,
dependendo do tipo de rio, até a parte médio-superior, locais onde as rochas
das cachoeiras e / ou corredeiras, ficam sempre disponíveis. Tendo sido
observada flutuação populacional neste período, semelhante para as outras duas
espécies identificadas na área, Psilopelmia iracouboense e Cerqueirellum
sp., com maior densidade de imaturos detectada em época de seca.
As transformações ambientais, de causa antrópica, no
Pitinga, provavelmente, induziram a população de Thyrsopelma guianense a
usar a sua plasticidade comportamental (genômica) às novas condições, na
colonização de novos tipos de substratos, por parte dos seus imaturos, como
rochas e vegetações marginais.
No Jauaperi, a maior concentração de toda a
entomofauna se apresentou nas partes superiores (apicais) das plantas, podendo
ser observado, igualmente, para o número de larvas e pupas dos simulídeos
(Figura 22.), sendo que eram gradativamente carreadas para áreas mais baixas,
das corredeiras, onde havia substratos disponíveis. Fato observado durante a
terceira coleta de material, obtido de colonizações novas de podostemaceas, não
detectadas nas excursões anteriores. Este fato foi verificado na Cachoeira
Travessão, em Thyrsopelma guianense através dos seus imaturos.
Figura
22. – Quantidade de imaturos coletados nos três períodos de coleta (seca, cheia
e vazante) na Cachoeira Travessão, com distribuição tópica nas plantas (ápice,
meio e base).
As correlações de tamanho amostral das podostemaceas
em relação a quantidade de imaturos, demonstraram estatisticamente associações
negativas, tanto para A. sthaeliana ( - 0,508; p <
0,005 ) e M. fluviatilis ( - 0,473; p < 0,005 ). Estando o número
(abundância) ligado aos períodos sazonais, em época de cheia as plantas
alcançam seus maiores comprimentos, porém a quantidade de imaturos apresentou-se
menor, devido ao grande volume de água na área. Em período de seca, apesar das
podostemaceas terem menores tamanhos, ocorreu maior concentração dos imaturos.
Acredita-se que esta maior concentração está relacionada com a menor
disponibilidade de substrato, que nesta época é menor.
Durante a coleta do material da entomofauna, foi observada
a presença de gastrópodos, co-habitando as podostemaceas, tendo sido detectada
a associação entre estes e as pupas dos simulideos (foresia ocasional?), algo
semelhante ao encontrado por Darwich et
al. (1989) para a região sul do Brasil.
Corydalus
sp., obtidos na Cachoeira 40 Ilhas (Pitinga), foi o grupo com maior número de
indivíduos coletados, apresentando maior predação em larvas de simulídeos.
Gorayeb (1978), em laboratório, obteve a predação de larvas de S.
fulvinotum (= Ectemnaspis rorotaense), por
coridalideos, não sendo verificada a relação de predação de estágio
(larva/pupa).
Idiataphe
sp., Argia
sp. e Brachymesia sp. (Odonata) apresentaram maior predação em larvas
de T.
guianense ( p < 0,001).
As relações tróficas apresentaram diferentes grupos
de predadores de uma área para outra (Cachoeira 40 Ilhas / Cachoeira Travessão),
exceto Brachymesia sp. (Odonata: Libellulidae) que esteve presente em
ambas.
Para este grupo, englobando os resultados de ambas
as áreas, a predação observada, foi seguramente preferencial para o estágio de
larva ( z = 6.339; p < 0,001 ) à pupa, assim como também sendo predada mais
a espécie Thyrsopelma guianense, com forte correlação ( z = 8.387; p <
0,001 ).
Os Nymphulinae da Cachoeira 40 Ilhas (Pitinga) não
mostraram estar predando simulideos (nas épocas coletadas), no entanto, na
Cachoeira Travessão (Jauaperi) foi possível detectar sua preferência em predar T.
guianense à P. iracouboense.
O fato de ter sido observada uma preferência,
através de correlações estatísticas significativas, na predação ao estágio de
larvas em relação as pupas, pode estar associado, principalmente em Odonata, a
discreta movimentação das larvas, já que para as pupas existe a total falta de mobilidade.
Estes movimentos larvais podem direcionar a predação pelas náiades.
Não foram obtidas correlações, a exceção em Corydalus
sp., entre tamanho e predação, assim o restante das correlações foi negativo (-
0,118; p < 0,005 ) (“Sperman Rank Order Correlation”).
CONCLUSÕES
As atividades realizadas nas duas localidades
(Cachoeira 40 Ilhas, Rio Pitinga – AM; Cachoeira Travessão, Rio Jauaperi – RR)
possibilitaram as seguintes considerações:
a. Observar
semelhança na composição estrutural na entomofauna aquática, dos dois
criadouros de simulídeos, apresentando diferença no número (densidade) de uma
área para outra (Jauaperi > Pitinga), especificamente na população de Thyrsopelma
guianense, fato este relacionando a presença das podostemaceas na
Cachoeira Travessão.
b. Verificar
uma flutuação sazonal (ligada a períodos de seca e cheia) dos imaturos de Thyrsopelma
guianense, influenciada, assim pelo regime hídrico. Tendo sido
encontrada uma maior densidade, em ambas as áreas, EM PERÍODOS DIFERENTES. No
Pitinga, área alterada por ação antrópica, foi observado um maior número na
CHEIA, e no Jauaperi, na SECA.
c. A
constatação da capacidade das formas imaturas de Thyrsopelma guianense
colonizarem outros substratos (no caso detectado, por modificações antrópicas),
diferente das podostemaceas, amplia a complexidade epidemiológica na
transmissão da filária Onchocerca volvulus por esta
espécie.
d. A
constatação de elementos da entomofauna aquática (principalmente Corydalus
sp. e Brachymesia sp. ) com predação significativa (correlação
significativa) nos imaturos de Thyrsopelma guianense amplificam a
visualização para possibilidades em controle manejado.
e. A
atividade de predação sobre simulídeos, nas duas áreas, de acordo com as
correlações estatísticas, demonstrou que o tamanho dos indivíduos predadores (Corydalus
sp.) e a presença de simulídeos nos conteúdos digestivos é significativa ( p
< 0,001), mesmo que tenham sido observada a predação em diferentes estádios
dos predadores.
f. Perceber
a dispersão hídrica (além da dispersão aérea, feita pelas fêmeas a procura de
novos substratos para oviposição) para áreas a jusante das corredeiras (na
Cachoeira Travessão) em Thyrsopelma guianense, através das
formas larvárias, as quais, levadas pela força da correnteza, e encontrando
substrato disponível, começam a colonizá-lo gradativamente. Foi observada uma
maior colonização da entomofauna geral na região apical das plantas coletadas.
g. Possibilidade
de registro de foresia (ocasional-?) em Gastropoda ( Mollusca), com pupas de simulídeos
encontradas aderidas em suas conchas, sendo assim levadas para diferentes
lugares, ao longo das corredeiras, pelo movimento dos moluscos, ou seja,
participando da dispersão da simulideofauna.
REFERÊNCIAS
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